A ÚLTIMA CEIA: CEIA DA UNIDADE OU CEIA DA EXCLUSÃO?


O cenário emotivo do qual nos aproximamos da última ceia de Jesus com os seus discípulos nos impede de colher as tramas e as experiências vividas por aquele grupo e o seu mestre. Jesus reúne os seus amigos para a ceia e com eles quer compartilhar aquele momento de despedida. Três anos haviam transcorrido de convivência com aquele grupo. O projeto do mestre que deveria ser o projeto de todos, depois de tanto tempo era só mais um ao lado dos projetos pessoais de cada discípulo.


Naquela noite havia alguma coisa de estranho no ar. A segurança que o mestre pretende dar aos seus discípulos não suprime as seguranças pessoais que cada um insiste em manter: “E nós que deixamos tudo para te seguir, o que haveremos de ganhar?”. Quem é de fato o mestre naquela noite ceando na mesa? Judas Iscariotes, o homem das decisões monetárias, que sabe a fórmula perfeita para tirar proveito financeiro em cada situação? Pedro, o líder sem liderança, o homem de pouca fé, acomodado à sombra de Jesus? João, o carente de afeto incapaz de traduzir para o grupo o medo, a dor do mestre diante da catástrofe que estava se aproximando? Quem era o mestre naquela ceia? As posições não estavam tão claras quanto parecia. É verdade que Jesus estava sentado no meio deles como aquele que serve, mas no coração de cada um dos discípulos, no mais profundo do seu ser, quem estabelecera a tenda lá? É difícil de responder. Cada ser humano é um mistério. O gesto da vasilha e da toalha, do ajoelhar-se e lavar os pés dos discípulos, permanecia uma atitude que causava perplexidade, e porque não dizer, decepção: um mestre que assume o trabalho humilhante de um escravo como poderá nos salvar? O messias esperado deveria talvez ser um dos convidados para participar daquela ceia. Alguém poderia se perguntar se Jesus não tomaria a mesma atitude de João Batista declarando-se indigno de desatar as sandálias do salvador de Israel! Como compreender numa ceia, depois de três anos de convivência, que a morte seria vencida num martírio de cruz?

A última ceia não foi uma ceia tranqüila. Dúvidas, angústias, tristeza, desilusão pairavam no ar. Quantos questionamentos ocupavam a mente dos discípulos. O coração do mestre estava agitado. Quantas perguntas que Jesus gostariam de fazer e naquele momento de despedida ouvir uma resposta diferente: Pedro, tu dizes que me amas, que darás a tua vida por mim, e como explicarás a tua traição? O que te impede de assumir o teu compromisso comigo até as últimas conseqüências? Eu não consigo entender o teu modo de amar sem se comprometer comigo... Judas, será que a minha pessoa para ti não vale mais do que um punhado de moedas? Como te sentirás depois de haver vendido e traído um amigo?

No gesto da partilha do pão, Jesus exclui da mesa da eucaristia todo aquele que transforma o pão de todos em sua propriedade particular, deixando o irmão passar fome. Exclui os que buscam lugares de honra e status social. Fora da ceia ficam os que têm o estômago cheio da fome e da miséria de milhões de seres humanos e as mãos sujas do sangue dos inocentes covardemente assassinados antes de poderem se defender. Não tem lugar nesta mesa para os gananciosos da terra que negam um palmo de chão para que seu irmão possa colher o pão nosso de cada dia.

No gesto da divisão do vinho, Jesus exclui do banquete eucarístico todo aquele que injustamente explora e derrama o sangue do seu irmão: “Fazes logo o que pretendes fazer”. A divisão do vinho em partes iguais rompe com o esquema das desigualdades sociais onde uns poucos ricos desfrutam de todas as riquezas da terra e a maioria dos empobrecidos deve contentar-se com a sobra dos seus banquetes.

Só continua sentado na mesa com Jesus aquele que compreende a lei do amor, porque amar é trazer o outro para perto de si, sentar ao lado e partilhar tudo que se tem na mesa: “Que vos ameis assim como vos amei”. Quem toma nas mãos a jarra e a toalha, e lava os pés dos seus irmãos mais necessitados e limpa as feridas dos sofredores e abandonados permanece sentado à mesa com Jesus.

Jesus deixa bem claro que só pode entender o mistério da eucaristia aquele que entendeu que ressuscitar é morrer crucificado com ele no Calvário. O mistério da ceia refletido aos pés da cruz torna-se mistério da ceia-cruz-pascal: a ceia que era despedida de amigos, torna-se banquete eterno; a ceia que foi o lugar da acusa, da traição do amigo, agora aos pés da cruz do ressuscitado transforma-se na ceia do perdão, do encontro dos irmãos e irmãs redimidos no sangue do Cordeiro de Deus; a ceia do desconforto e das incertezas cede lugar à ceia da certeza da ressurreição onde todos cantam: “Ele está vivo entre nós. Aleluia”.

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