A DIMENSÃO CRISTOLÓGICA DA SACRAMENTALIDADE DA IGREJA


O PROJETO SALVIFICO DO PAI


«Pater sancte (...) hóminem ad tuam imáginem condidísti, eíque commisísti mundi curam univérsi, ut, tibi soli Creatóri sérviens, creatúris ómnibus imperáret. Et cum amicítiam tuam, non oboediens, amisísset, non eum dereliquísti in mortis império. Omnibus enim misericórditer subvenísti (...) Sed et foedera plúries homínibus obtulísti eósque per prophétas erudísti in exspectatióne salútis. Et sic, Pater sancte, mundum dilexísti, ut, compléta plenitúdine témporum, Unigénitum tuum nobis mítteres Salvatórem»
(Prex Eucharistica IV)


O «mysterium salutis» de Deus desde a eternidade foi estabelecido em vista de seu Filho, Jesus Cristo. A concretização deste plano se torna para a humanidade história da salvação. Esta história se polariza entre dois protagonistas: Deus e o seu «partner», o homem.

Jesus Cristo é o revelador definitivo do projeto do Pai. Na realização do mistério da sua morte e ressurreição, Cristo se torna para a humanidade «sacramentum salutis».

A PRESENÇA SALVIFICA DE DEUS NA HISTÓRIA DOS HOMENS

É necessário percorrer, de modo sintético, a história bíblica para colher as intervenções de Deus na criação e na história. A vontade de Deus de comunicar a sua vida divina e o ser um «Deus-conosco», transforma as suas intervenções salvíficas em gestos de um amor incon¬trolável, contagioso e explosivo para os homens.

Desde a origem da existência do homem, Deus exprime o seu desejo de fazer participar o homem da sua vida divina (cf. Gn 9,1-17; 12,1-3; 28,15). Ao homem reserva um lugar «de honra e de glória» (cf. Sl 8), ou seja, doa a ele a graça de poder participar a sua mesma vida trinitária. Mas o homem, querendo determinar-se como protago¬nista absoluto dos eventos da sua própria vida, rejeita o projeto originário de Deus.

Com o pecado de Adão, rompeu-se o diálogo entre Deus e o homem (cf. Gn 3,1-24). Mas Deus insiste na realização do seu projeto e propõe uma aliança (cf. Gn 9,1-17; 12,1-3; 28,15). Como conseqüência da aliança, Israel se torna «povo de Deus» (Es 6,7; Lev 26, 12; Os 2,25); sua «propriedade»(Es 19,5; Dt 7,6); uma «nação santa» (separada dos outros povos e reservada a Ele); um «povo sacerdotal» (Es 19,6). Aos profetas é confiada a missão de ser sentinelas da aliança, e de denunciar toda forma de transgressão e toda tentativa de corrupção do pacto sinaítico com Deus (cf. Os 4,2; Is 1,4; 5,7; 30,9; Mi 7,1-7; Jr 5,1; 5,28ss; 9,1-8; Ez 16; 23) e de insistir na fidelidade do povo, para o cumprimento da aliança. Deus assim garante a sua presença, não obstante as repetidas rejeições e as infidelidades de Israel.

Diante das repetidas transgressões do pacto da aliança, Deus, na sua gratuita fidelidade, promete uma nova aliança futura. Essa supera todas as precedentes pela sua novidade: não haverá outra aliança, será definitiva (cf. Ez 16,60; Is 55,3; 61,8); estabelece um vínculo interior (cf. Jr 31,31-34; Ez 36,25-28); tem como destinatários todos os povos e não só Israel (cf. Is 49,1-6).

Concebido por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, Jesus é o novo Adão que inaugura a nova criação, o novo nascimento dos filhos de adoção no Espírito Santo mediante a fé. Ele é em pessoa a nova e eterna aliança (cf. Col 1,19-20); é a presença de comunhão e de adoção de Deus entre os homens (cf. Gal 4,4-5); o Emanuel, o «Deus-conosco»; o mistério de Deus escondido desde a eternidade (cf. Ef 3,9) e agora realizada na plenitude dos tempos (cf. Ef 1,10).

JESUS CRISTO ÚLTIMA PALAVRA DE DEUS PARA A SALVAÇÃO DOS HOMENS

O NT nos apresenta Jesus de Nazaré como o revelador definitivo do plano de salvação de Deus Pai: «A Palavra de Deus si fez carne e, como Palavra de potência, de mandamento e de promessa, assumiu a forma de um destino humano histórico» (1). Ele assumindo a condição humana, morrendo pregado na cruz e vencendo a morte com a sua ressurreição, se fez nosso Salvador – para que reconduzindo o homem à convivência amorosa das Três pessoas divinas -; nosso Libertador - porque rompe toda forma de escravidão que na existência humana nega a Vida -; e nosso Redentor - porque lava com o seu sangue, versado no sacrifício da cruz, a imagem que o Pai havia plasmado de si nos homens, danificada e desfigurada pelo pecado.

O Verbo, encarnando-se na história dos homens, revela o Pai: «Ninguém jamais viu a Deus. O Filho Único, Deus, que está voltado para o seio do Pai, o revelou» (Jo 1,18). Revelando o Pai, Jesus revela o seu projeto salvífico na sua Pessoa, nas palavras que pronuncia, nos seus silêncios, no seu modo de ser, nas obras que realizava, nos seus sofrimentos. «Quem me vê, vê também o Pai (...) Não crês que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não vêm de mim. Quem realiza estas obras é o Pai, que permanece em mim» (Jo 14,9b-10).

Jesus viveu na simplicidade da pequena cidade de Nazaré até os trinta anos (cf. Lc 2,39-40.51-52) quando começou a sua missão apostólica (cf. Lc 4,18-19). «Depois que João foi encarcerrado, Jesus se dirigiu à Galiléia. E proclamava o Evangelho de Deus, dizendo:"Completou-se o tempo. Chegou o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho"» (Mc 1,14-15). Escolheu um grupo de discípulos (cf. Lc 6,12-16), sobre o qual fundou a sua Igreja, continuadora da sua obra de salvação no mundo.

A presença de Jesus na vida do seu povo é uma presença eminentemente salvífica: cura os doentes (cf. Lc 17,11-19), come com os pecadores (cf. Mc 2,15-17), condena os pecados, mas ama incondicionalmente os pecadores (cf. Lc 7,47-50), convive com os impuros (cf. Lc 8,43-48), anuncia a boa nova da libertação. Nele e por meio Dele, o Pai instaura o seu Reino. Reino que é paz, justiça e verdade para os homens e mulheres. Toda a vida de Cristo é Mistério de Redenção e de recapitulação da humanidade (cf.. CIC 516-518).

Concluindo, podemos dizer que as intervenções salvíficas de Deus na história do povo de Israel no AT, preparam a manifestação total e definitiva do seu amor por nós, em Jesus de Nazaré - nova e eterna aliança-.

JESUS CRISTO SACRAMENTO DO PAI PARA A SALVAÇÃO DOS HOMENS

«Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o Reino dos céus,
revelou-nos Seu mistério e por Sua obediência realizou a redenção»
(Lumen Gentium 3)


Deus no seu projeto salvífico se revela desde o primeiro momento um Deus de salvação. Em Jesus Cristo, seu Filho, oferece a possibilidade aos homens de encontrá-Lo. Jesus Cristo é o sacramento do Pai para a salvação da humanidade.

Neste ponto tentaremos aprofundar o significado teológico e as conseqüências da sacramentalidade de Cristo em quanto prospectada no projeto salvífico do Pai, e da sacramentalidade da Igreja, continuadora da obra de salvação no mundo.

JESUS CRISTO SACRAMENTO DO PAI

«Deus amou tanto o mundo, que deu Seu Filho Único, para que todo o que crer nele não morra, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16). Assumindo a natureza humana a pessoa divina do Verbo revelou a face do Pai. «Quem me vê, vê também o Pai» (Jo 14,9).

Esta presença histórica, reveladora do amor trinitário, se impõe ao homem, para que reconheça sua importância salvífica: «É assim que o amor de Deus se manifestou a nós: Deus mandou seu Filho único ao mundo para que recebêssemos a vida por ele. Nisso consiste o seu amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e mandou o seu Filho» (1 Jo 4,9-10).

No seu estado criatural originário, o homem foi estruturado e destinado a unir-se a Deus na pes¬soa do Verbo encarnado, sendo filho no Filho. A consciência que o homem tem desta realidade e a sua livre adesão a este projeto nos insere pessoalmente no plano do amor do Pai.

A comunhão dos homens com o Pai implica necessariamente na inserção em Jesus (cf. Jo 14,6a), através do qual se pode ir a Ele como filhos: «Ninguém vai ao Pai senão por mim» (Jo 14,6b). Cristo é para o homem princípio e forma de vida filial. Quem deseja unir-se ao Pai, deve possuir e viver do Espírito de Jesus: «o que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me mostrarei a ele»(Jo 14,21b). Cristo é o caminho, a verdade, a vida, sem Ele o homem vaga nas trevas, não atinge jamais o outro, deve contentar-se com um relacionamento fictício e limitado.

Cristo é sacramento do Pai pelo fato ontológico de ser Filho de Deus. A sua presença entre nós (cf. Jo 1,14) significa a concretização da manifestação do mistério de Deus no modo mais radical, através da obra salvífica, expressa nos gestos e nas palavras de Cristo. Ele tudo recapitulou, e se tornou Aquele mediante o qual o homem se encontra com Deus e com os homens autenticamente; Aquele que une os crentes num só corpo - a Igreja -, num mesmo espírito, num mesmo amor, para que «que todos sejam um» (Jo 17,21).

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(1) H. U. von BALTHASAR, Sponsa Verbi. Saggi di teologia, vol 2, Morcelliana, Brescia: 1969, pg. 42.

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