AS OPÇÕES DA IGREJA NA AMÉRICA LATINA


O presente texto é uma tentativa de ajudar na reflexão eclesiológica sobre a rica experiência de ser cristão no continente ameríndio, marcado por vários séculos de dominações e exploração de suas riquezas humanas e naturais.

Inicialmente creio que seja necessário fazer uma importante observação de caráter metodológico. Quando nos dispomos a estudar a realidade eclesial de nosso continente com todas as suas implicações eclesiológicas requer do estudioso um esforço intelectual que si prospecta em diversas direções:

- devemos ter clara consciência que somos parte do Povo de Deus, presente na América Latina. Estudo, conheço, amo, corrijo a minha Igreja para tornar o meu serviço e o serviço da minha comunidade mais radical no seguimento do Evangelho de Jesus Cristo;

- coragem para olharmos para o nosso passado com objetividade, sem falsear a nossa história, ou tentar justificar as situações de pecado da Igreja, mas assumir os nossos pecados e omissões para não repetir no presente os erros e horrores do passado;

- certeza que a nossa contribuição é indispensável para reforçar o projeto de ser Igreja comprometida com os pobres, Igreja evangelizadora e missionária no continente das contradições e da marginalização, do não-Homem;

- orientar o nosso conhecimento para o serviço pastoral qualificado aos nossos irmãos, à nossa Igreja.

O conhecimento que não está a serviço da vida é puro academicismo. A Igreja da América Latina não precisa de uma elite de pensadores e peritos nas ciências religiosas, distantes da vida e dos problemas do povo. Necessitamos de cristãos evangelizados e evangelizadores que contribuam com o saber no processo de libertação sua e de seus irmãos. Precisamos de cristãos comprometidos, corajosos, profetas, que ajudem seus irmãos a reconhecer na pessoa e no projeto de Jesus Cristo o verdadeiro caminho que conduz o homem, e todo o homem, à sua plena realização humana e divina.

Enfim, espero que este estudo possa lançar mais uma pedra na construção do Reino de Deus. O importante não é o tamanho da pedra, mas que seja a minha “pedra”, a minha insubstituível contribuição para que o Reino aconteça aqui, agora.

AS OPÇÕES PASTORIAS DA IGREJA

Alguém dizia que se desejamos acertar os passos no presente devemos olhar os passos dados no passado. A história nos ajuda a viver e a transformar o nosso futuro em presente de superação, em presente-realização. O que está em jogo é o nosso modo de interpretar o passado. A Igreja na América Latina fez as suas opções pastorais dentro de um determinado contexto histórico. É somente na leitura deste contexto que conseguiremos situar o atual momento eclesial latino-americano e perceber o singular rosto da Igreja.

RETROSPECTIVA HISTÓRICO-ECLESIAL

Brevemente elencamos alguns acontecimentos histórico-eclesiais indispensáveis para a compreensão do rosto latino-americano que a Igreja irá assumir em contexto de América Latina no período post-conciliar:

• O movimento litúrgico iniciado com os monges belga de Maredsous e de Mont-César (Congrès national des oeuvres catholiques – Malines, 23 de setembro de 1909);

• O movimento bíblico;

• O XX Concílio Ecumênico Vaticano I (1869-1870) – Pio IX: Constitutio dogmatica de fide catholica e Constitutio de ecclesia Christi;

• Os governos ditatoriais;

• Novas experiências pastorais;

• Novas formas de vida religiosa;

• Os desafios do diálogo com a modernidade;

• A Primeira e Segunda Guerra mundial;

• O XXI Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) – João XXIII e Paulo VI.

UMA IGREJA CHAMADA A DIALOGAR COM O MUNDO

A eleição do Papa João XXIII foi decisiva para que acontecessem as mudanças tão esperadas na vida da Igreja. O Papa Pio XII, antecessor do Papa João XXIII, desejou realizar o Concílio, mas não encontrando condições favoráveis preferiu adiá-lo. Embora sendo nomeado como um Papa de transição, João XXIII teve a coragem profética de convocar o Concílio Ecumênico Vaticano II. A Igreja não podia mais esperar para abrir-se e dialogar com o mundo. A Igreja necessitava sair da atitude de ataque e reservas às novidades da modernidade e estabelecer um diálogo construtivo com esta nova realidade sem perder a sua identidade carismática, ou seja, enviada por Jesus a anunciar o seu Evangelho aos homens de todos os tempos, de todas as culturas.

O Concilio Ecumênico Vaticano II foi anunciado pelo Papa João XXIII no dia 25 de janeiro de 1959. Teve a sua Primeira Sessão, no dia 11 de outubro de 1962. Desde o início o Papa João XXIII fez questão de destacar o seu aspecto pastoral: “Procuremos apresentar aos homens de nosso tempo, íntegra e pura, a verdade de Deus de tal maneira que eles a possam compreender e a ela espontaneamente assentir. Pois somos Pastores..." (1).

Nos deteremos a analisar brevemente alguns dados sobre o Concílio Vaticano II. "O Concílio aconteceu em um momento difícil para os nossos povos latinos americanos: anos de problemas, de angustiosa procura da própria identidade, caracterizado de um despertar das massas populares, de tentativas de integração americana (...) Tudo isso preparou o povo católico a abrir-se com uma certa facilidade a uma Igreja que se apresenta como "povo", e povo universal que penetra nos outros povos para ajudá-los a fraternizar e a crescer à uma grande comunhão" (DFP 233)..

O Concílio Vaticano II foi um concílio pastoral que procurou responder às exigências de abertura e diálogo da Igreja com mundo. A renovação conciliar atingiu todos os níveis da estrutura e da vida da Igreja, como podemos observar nos seus 16 documentos:

- constituição dogmática Lumen Gentium (sobre a Igreja);

- constituição dogmática Dei Verbum (sobre a revelação divina);

- constituição pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo de hoje);

- constituição Sacrosanctum Concilium (sobre a liturgia);

- decreto Unitatis Redintegratio (sobre o ecumenismo);

- decreto Orientalium Ecclesiarum (sobre as Igrejas orientais católicas);

- decreto Ad Gentes (sobre a atividade missionária da Igreja);

- decreto Christus Dominus (sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja);

- decreto Presbyterorum Ordinis (sobre o ministério e a vida dos presbíteros);

- decreto Perfectae Caritatis (sobre a atualização dos Religiosos);

- decreto Optatam Totius (sobre a formação sacerdotal);

- decreto Apostolicam Actuositatem (sobre o apostolado dos leigos);

- decreto Inter Mirifica (sobre os MCS);

- declaração Gravissimum Educationis (sobre a educação cristã);

- declaração Dignitatis Humanae (sobre a liberdade religiosa);

- declaração Nostra Aetate (sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs).

“O Concílio Vaticano II significou um tempo novo para a vida da Igreja, um sopro do Espírito que se difundiu para além dos quadros intra-eclesiais e dos ambientes religiosos. Ao repensar a missão da Igreja e uma eclesiologia de amplas perspectivas para o trabalho pastoral. Lembramos aqui suas principais características:

a) a superação da concepção de Igreja “sociedade perfeita”, repartindo o espaço com a sociedade civil, em direção a uma concepção de Igreja comunidade, inserida no mundo, a serviço do reino;

b) a superação da oposição entre Igrejas da cristandade e Igrejas das missões, pelo reencontro da consciência de uma Igreja toda e sempre missionária;

c) a consciência mais clara de que a Igreja não é só a hierarquia, mas todo o Povo de Deus, ressaltando o papel dos leigos e a co-responsabilidade de todos, pastores e fiéis, na ação pastoral e na missão evangelizadora, sem deixar de reconhecer e valorizar a vocação específica missionária “ad gentes”;

d) a redescoberta da Igreja Particular ou Local, como realização viva e característica da Igreja Universal, em comunhão com as demais e com a sede primacial de Pedro;

e) a mudança para uma pastoral mais atenta à necessidade de uma nova linguagem catequético-litúrgica e para uma evangelização das massas afastadas da vida eclesial;

f) a valorização do mundo e das realidades terrestres e o reconhecimento de sua justa autonomia;

g) a abertura ao ecumenismo e ao diálogo com as religiões e as culturas. Essas novas atitudes reconhecem a possibilidade de aprender algo do mundo moderno, mesmo dos adversários. Por isso, levam a admitir que os membros da Igreja nem sempre foram isentos de culpas ou erros” (2).

PONTOS CRÍTICOS DA RENOVAÇÃO CONCILIAR

O conceito eclesiológico Igreja Povo de Deus, em âmbito histórico-teológico, não é fruto imediato da nova eclesiologia do Concílio Vaticano II. Os estudos histórico-sistemáticos fixam no início do século XX as primeiras tentativas da formulação de uma eclesiologia baseada na categoria eclesiológica “Povo de Deus”(3).

O Concílio Vaticano II utilizando esta categoria propõe um novo modelo eclesial: “Diante de uma eclesiologia triunfalista, o Vaticano II proclama uma Igreja serva da humanidade (GS 40-43), que segue o caminho de Jesus pobre e humilde ( LG 8), e que caminha para a escatologia (LG VII). (...) Diante de uma Igreja clerical, o Vaticano II introduz o conceito bíblico de Povo de Deus, povo de batizados que têm a mesma fé, a mesma Escritura, se nutrem da Eucaristia, possuem pluralidade de carismas do Espírito. (...) Diante da concepção juridizante, o Vaticano II ressalta a dimensão do ministério (LG I), Igreja da Trindade, que nasce do Pai, é animada pelo Espírito Santo e reflete a luz de Cristo”(4).

Depois de concluído o Concilio, a Igreja coloca em marcha o difícil processo de atualizar, concretizar as orientações e determinações conciliares.

O período imediato post-conciliar foi marcado por um verdadeiro cataclismo na vida da Igreja, provocados por interpretações errôneas e abusivas das orientações conciliares. As mudanças radicais muitas vezes não respeitavam a caminhada das comunidades eclesiais. Muitos católicos sentiram-se confusos e desorientados com a renovação conciliar (a retirada dos santos das igrejas, a supressão do habito clerical (batina), o alto índice de abandono do ministério sacerdotal, novos conceitos e interpretações da fé e dos costumes, etc). Faltava uma leitura do Concílio segundo o seu espírito de renovação eclesial, de diálogo com o mundo.

PRIMEIROS ESFORÇOS DE RECEPÇÃO CONCILIAR NA AMÉRICA LATINA (5)

O processo de recepção de um concílio ecumênico não se faz da “noite para o dia”. É um processo lento, mas continuo(6). Todas as Igrejas locais foram interpeladas a discernirem o melhor modo de concretizar o concílio a partir da sua própria realidade. Os bispos latino-americanos promoveram a II Conferência Geral, em Medellin, que se torna o marco referencial do início da recepção conciliar no continente.

No esforço de recepção conciliar, a Igreja que está presente na América Latina adquiriu um rosto próprio, o seu modo de ser Povo de Deus em contexto ameríndio(7). Evidentemente não se trata de uma "Igreja latino-americana", ou seja, de uma nova Igreja em via de emancipação da Igreja institucional de Roma ou de uma Igreja do povo, pobre, revolucionária, profética, como pretendem alguns estudiosos. O Povo de Deus que constitui a Igreja no continente latino-americano é uma porção da Igreja universal.

Alguns eventos eclesiais e documentos magisteriais foram decisivos para a configuração da Igreja e da eclesiologia latino-americana:

 A II CONFERENCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO.

Em 1968 os Bispos latino-americanos reunidos em Medellin (Colômbia) celebraram a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano.

No contexto eclesial latino americano a II Conferência Episcopal de Medellin se configura como a primeira tentativa de recepção do Concilio Vaticano II. Com razão o documento do Conselho Episcopal Latino-americano afirma: "Medellin foi uma feliz coincidência das expectativas do continente e da Igreja latino-americana de novas e incipientes realizações de alguns grupos eclesiais e de concretizações latino-americanas do Concílio Vaticano II"(8).

A questão fundamental que os Bispos se colocam é: como ser cristão na América Latina, continente da pobreza e da marginalização? Tal questionamento provoca uma nova reorientação antropológica: a Igreja precisa voltar-se para o homem porque para “conhecer Deus é necessário conhecer o homem”(9).

O ponto de partida para a Igreja foi considerar atentamente a atual situação do “homem deste continente, que vive um momento decisivo de seu processo histórico”(10). Este momento é caracterizado pelas mudanças rápidas do contexto sócio-político-econômico. Da reflexão dos Bispos latino-americanos ficou claro que o rosto da Igreja na América Latina é diferente do rosto da Igreja em outros continentes. Portanto, não era suficiente oferecer para os cristãos latino-americanos só uma reflexão teológica dos principais postulados estruturais do Concílio, ou orientações de mudanças acidentais para a vida da Igreja. Os Bispos sentiram a necessidade de fazer uma reflexão orientada “para a busca de forma de presença mais intensa e renovada da Igreja na atual transformação da América Latina”(11). Em definitivo: os Bispos perceberam que não seria possível aplicar as diretrizes conciliares a partir dos parâmetros da realidade sócio-cultural-religiosa do homem europeu.

A partir da II Conferência Geral a Igreja começa a se apresentar aos povos ameríndios como:

- uma Igreja profética: livre e corajosa para denunciar todas as situações e o pecado que destroem a vida do homem latino-americano;

- uma Igreja servidora: não mais um Igreja preocupada em defender seus privilégios e estruturas, mas preocupada em servir o povo;

- uma Igreja dos pobres: despojada das honrarias e dignidades, partilhadora das angústias e esperanças dos pobres e marginalizados.

As opções pastorais do documento da II Conferência (12) foram importantes para que a Igreja, nos anos 70, pudesse assumir e dar o seu contributo no processo de transformação e desenvolvimento do continente (13). Deste modo, a Igreja procura concretizar a eficácia histórica do amor cristão, colaborando com os projetos político-sociais comprometidos com a mudança estrutural da sociedade latino-americana. Sem dúvida alguma este é o momento privilegiado da conversão da Igreja aos pobres.

 AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE (CEBs)

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) propõem um novo modelo de ser Igreja, que favorecendo a participação ativa e pessoal de seus membros, realiza o seu caráter comunitário e real compromisso na transformação do mundo. “As Comunidades de Base (...) estão à base do povo; não somente emprestam a sua voz aos pobres, mas procuram a sua voz e a deixam ressonar nas Igrejas; se descentraliza e sacraliza até se tornar solidária com os pobres; adquire em muitos grupos eclesiais uma unidade desconhecida entre bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos; promove novos ministérios; enfrenta com coragem a perseguição e o martírio, encontrando neste o sinal privilegiado da sua verdade”(14).

 A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES

A opção preferencial pelos pobres não é uma opção exclusiva ou excludente ao interno do Povo de Deus. A opção preferencial pelos pobres é: uma opção pastoral que exige uma profunda “conversão e purificação constante em todos os cristãos, para chegar a uma identificação sempre mais plena com Cristo pobre e com os pobres”(15).

 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A Teologia da Libertação foi um das primeiras tentativas de uma contribuição genuinamente latino-americana à problemática, à reflexão e ao debate teológico dos anos 70, sob o influxo direto do Concílio Vaticano II.

A primeira formulação estruturada da Teologia da Libertação encontramos na obra publicada pelo teólogo peruano, Gustavo Gutiérrez, intitulada: Teología de la Liberación. Perspectivas (1972). A sua teologia utiliza o método da Guadium et Spes (VER-JULGAR-AGIR) e assume a linguagem da libertação no fazer teologia, integrando no discurso teológico o nível político, o nível da interpretação histórica, e aquele teológico. A Teologia da Libertação supera a formulação da teologia como “função crítica da ação pastoral da Igreja” e se propõe como “reflexão crítica da práxis histórica à luz da Palavra”(16). Esta não é simplesmente um novo ramo da teologia, mas um novo modo de fazer teologia, no qual a preocupação com os pobres e com a sua libertação integral são centrais e efetivamente se propõe a realizar uma “re-leitura do evangelho a partir da práxis de libertação”(17).

 A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA "EVANGELII NUNTIANDI"

A Exortação Apostólica "Evangelii Nuntiandi" (18 de setembro de 1975), do Papa Paulo VI, sobre o compromisso de todo o Povo de Deus na missão evangelizadora da Igreja. Segundo o Paulo VI, o conteúdo da evangelização é o Evangelho de Cristo; os destinatários são todos os homens de boa vontade; o sujeito operador da evangelização é a comunidade eclesial; e o espírito que anima a evangelização é o Espírito Santo. A Exortação aprofunda o tema da libertação e do homem, como centro das preocupações pastorais da Igreja.

 A III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO

A III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano foi convocada por Paulo VI, confirmada por João Paulo I e reconfirmada e presidida pelo papa João Paulo II e realizada de 27-1 a 13-2 de 1979, em Puebla de los Angeles (México).

O objetivo da III Conferência foi refletir sobre a caminhada da Igreja dez anos depois da II Conferência Geral, de Medellin. Segundo o papa João Paulo II a III Conferência deve “tomar como ponto de partida as conclusões de Medellin, com tudo o que tem de positivo, mas sem ignorar as incorretas interpretações por vezes feitas e que exigem sereno discernimento, oportuna crítica e claras tomadas de posição”(18).

O documento da III Conferência Geral deixa clara a tarefa pastoral da Igreja na América Latina: anunciar a todos os homens a verdade sobre Jesus Cristo, a verdade sobre a missão da Igreja e a verdade sobre o homem.

Para realizar a sua tarefa pastoral os Bispos procuraram considerar atentamente a atual situação do “homem deste continente, que vive um momento decisivo de seu processo histórico”(19). Este momento é caracterizado pelas mudanças sócio-político-econômico. Da reflexão dos Bispos ficou claro que o rosto da Igreja na América Latina é diferente do rosto da Igreja em outros continentes. Portanto, não era suficiente oferecer para os cristãos latino-americanos só uma reflexão teológica dos principais postulados estruturais do Concílio, ou orientações de mudanças acidentais para a vida da Igreja. Os Bispos sentiram a necessidade de fazer uma reflexão orientada “para a busca de forma de presença mais intensa e renovada da Igreja na atual transformação da América Latina”(20). Em definitivo: os Bispos perceberam que não seria possível aplicar as diretrizes conciliares a partir dos parâmetros do homem europeu.

 A IV CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO

A IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano convocada, inaugurada e presidida pelo papa João Paulo II, aconteceu nos dias 12/28 de outubro de 1992, em Santo Domingo (Republica Dominicana).

Treze anos depois da III Conferência de Puebla, os Pastores da Igreja na América Latina voltam a se reunir para refletir sobre a realidade eclesial do Continente. Novas realidades preocupam os Bispos e se tornam desafios à ação evangelizadora da Igreja: a violência urbana, a proliferação das seitas, o empobrecimento do povo, etc.

Os Bispos apontam três linhas mestras da ação evangelizadora da Igreja na América Latina:

• a nova evangelização:

“A nova evangelização não consiste num ‘novo evangelho’, que surgiria sempre de nós mesmos, da nossa cultura ou da análise sobre as necessidades do homem. Pois isso não seria ‘evangelho’, mas pura salvação humana (...) Nem mesmo consiste em retirar do Evangelho aquilo que parece dificilmente assimilável pela cultura contemporânea. A cultura não é a medida do Evangelho, mas Jesus Cristo é a medida de toda a cultura e de toda obra humana”(21).

“Falar de nova evangelização não quer dizer reevangelizar. Na América Latina, não se trata de prescindir da primeira evangelização, mas de partir dos ricos e abundantes valores que ela deixou para aprofundá-los e complementá-los, corrigindo as deficiências anteriores. A nova evangelização surge na América Latina como resposta aos problemas apresentados pela realidade do continente no qual se dá um divórcio entre fé e vida, ao ponto de produzir clamorosas situações de injustiça, desigualdade social e violência” (DSD 24).

“O conteúdo da nova evangelização é Jesus Cristo, Evangelizador do Pai, que anunciou com gestos e palavras que Deus é misericordioso para com todas as suas criaturas, que ama o homem com um amor sem limites e quis entrar na sua história por meio de Jesus Cristo, morto e ressuscitado por nós, para libertar-nos do pecado e de todas as suas consequências e para fazer-nos participar de sua vida divina” (DSD 27).

• a promoção humana;

“A solidariedade cristã é certamente serviço aos necessitados, mas é, sobretudo, fidelidade a Deus. Isto fundamenta a relação entre evangelização e a promoção humana.

Nossa fé no Deus de Jesus Cristo e o amor aos irmãos tem de traduzir-se em obras concretas” (DSD 159).

“A promoção (...) deve levar o homem e a mulher a passar de condições menos humanas para condições cada vez mais humanas, até chegar ao pleno conhecimento de Jesus Cristo” (DSD 161).

Os novos sinais dos tempos no campo da promoção humana: os direitos humanos, a ecologia, a questão da terra, o empobrecimento, o trabalho, as migrações, a ordem democrática, a nova ordem econômica a integração latino-americana, a família e a vida (desafios mais urgentes na promoção humana).

• a cultura cristã.

“Por nossa adesão radical a Cristo no Batismo, comprometemo-nos a fazer com que a fé, plenamente anunciada, pensada e vivida, chegue a fazer-se cultura. Assim, podemos falar de uma cultura cristã quando o sentir comum da vida de um povo tiver sido penetrado interiormente, até ‘situar a mensagem evangélica na base de seu pensamento, nos seus princípios fundamentais de vida, nos seus critérios de juízo, nas suas normas de ação’ (...) Os autênticos valores culturais, discernidos e assumidos pela fé, são necessários para encarnar nessa mesma cultura a mensagem evangélica e a reflexão e práxis da Igreja” (DSD 229).

“Hoje em dia percebe-se uma crise cultural de proporções inimagináveis na qual vão desaparecendo valores evangélicos e ainda humanos fundamentais”. Diante desta realidade a Igreja é chamada a inculturar o Evangelho. “A inculturação do Evangelho é um processo que supõe reconhecimento dos valores evangélicos que se têm reconhecimento dos valores evangélicos que se têm mantido mais ou menos puros na atual cultura; e o reconhecimento de novos valores que coincidem com a mensagem de Cristo. Mediante a inculturação, busca-se que a sociedade descubra o caráter cristão desses valores, os aprecie e os mantenha como tais. (...) A fé, ao se encarnar nessas culturas, deve corrigir seus erros e evitar sincretismos” (DSD 230).

A cultura cristã:

- tem em Cristo a medida de sua conduta moral;

- respeita a unidade e pluralidade das culturas indígenas, afro-americanas e mestiças;

- procura a salvação e libertação integral do homem;

“A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força esmagadora das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna” (DSD 243).

O ROSTO LATINO-AMERICANO DA IGREJA

Uma das dificuldades que a reflexão eclesiológica na América Latina teve que aprofundar, e que se tornou patente na III Conferência Geral, foi se os contornos que ia adquirindo a Igreja na América Latina seriam melhor definidos como a experiência de uma nova Igreja em confronto ao modo de ser Igreja, principalmente no Ocidente. A questão terminológica aparentemente pode nos parecer insignificante, mas na realidade não o é. A clareza e evidência dos conceitos, na medida do possível, nos ajudam a escolher, separar, criticar, etc. Um novo modo de ser Igreja não implica necessariamente na afirmação da existência de uma nova Igreja. O novo modo de ser Igreja é o mesmo da Igreja de Jesus Cristo

Sinteticamente apresentamos alguns traços do rosto da Igreja na América Latina que caracteriza sua presença e comunhão com o povo pobre e excluído deste continente:

 A Igreja de Jesus Cristo. O esforço de promoção humana, a luta em defesa dos direitos dos pobres, o grito denunciador de toda forma de injustiça e escravidão, não reduz a ação pastoral da Igreja a uma simples ação humanitária em defesa da vida, mas é sedimentada no amor à pessoa de Jesus Cristo que convoca, envia em missão cada cristão – evangelizador da humanidade. Esta Igreja tem consciência de ser novo Povo de Deus, convocado por Jesus Cristo a dar testemunho do amor libertador de Deus. Portanto, Jesus Cristo é fundador, o convocador da comunidade evangelizadora e a fonte de sua santidade.

“Por esta razão, hoje e amanhã na América Latina, os cristãos, como Povo de Deus, enviados para sermos sementes de unidade, de esperança e de salvação, precisamos formar uma comunidade que viva a comunhão da Trindade e seja sinal de presença de Cristo morto e ressuscitado, que reconcilia os homens com o Pai no Espírito, os homens entre si e o mudo com o seu criador” (DP 1301).

 A Igreja da comunhão e participação. O binômio comunhão e participação coloca em evidência o aspecto da vida interna da comunidade. A comunidade é acentuadamente marcada pelo clima de família, lugar de encontro. A comunidade é organizada de tal modo que favorece a participação de todos os seus membros; ela se torna o lugar onde todos têm “vez e voz”, onde se partilha e se comunga a vida dos irmãos e se encontra Deus e os irmãos. É o Espírito Santo que garante a unidade da dimensão vertical com aquela horizontal da Igreja, mistério de comunhão dos homens com Deus e entre si.

 A Igreja dos pobres. A Igreja na América Latina se define como Igreja dos pobres. Tal definição exclui a concepção de uma Igreja para ou com os pobres. O pobre, para a Igreja, não é uma mera categoria sociológica que justifique a sua atuação no campo social. O pobre é todo ameríndio que vive situações de pecado, de injustiça, de exclusão e de morte (22). A consciência de ser Igreja dos pobres conduz os cristãos latino-americanos a denunciarem e lutarem contra todas as estruturas de empobrecimento do continente.

“Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos converter-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador”(DP 28).

“Comprovamos, pois, como o mais devastador e humilhante flagelo a situação de pobreza desumana em que vivem milhões de latino-americanos”(DP 29).

“Ao analisar mais a fundo tal situação, descobrimos que esta pobreza não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e políticas, embora haja também outras causas da miséria (...) Esta realidade exige, portanto, conversão pessoal e transformações profundas das estruturas que correspondam às legítimas aspirações do povo a uma verdadeira justiça social”(DP 30).

 A Igreja que dialoga com o mundo e com a história. A Igreja na América Latina tem uma profunda consciência da sua dimensão histórica. Sabe de ser um povo universal, aberto a todos os povos, peregrino e chamado a construir o projeto salvífico de Deus, revelado em Jesus Cristo na história. Portanto a Igreja não se fecha ao mundo, mas faz suas as angústias, os sofrimentos, as alegrias e as esperanças dos homens e das mulheres latino-americanos, dando desde modo a sua contribuição à transformação da sociedade. Em síntese, a postura da Igreja diante do mundo e da história dos povos latino-americanos é aquela do diálogo, de participação plena nas realidades terrenas. Por isso, em razão dessa participação nas realidades humanas, a Igreja se compromete na defesa dos direitos humanos, na promoção do homem, na denuncia de toda forma de violência contra a dignidade da pessoa humana. Portanto, é irrenunciável a sua vocação de anunciar o Evangelho na história dos povos latino-americanos. A celebração dos 500 anos da conquista da América Latina foi um momento forte para que a Igreja pudesse repensar todo o processo de evangelização e reconhecer e pedir perdão pelos seus erros, discriminações e omissões no passado, sobretudo para com os escravos negros africanos.

 A Igreja que celebra a vida. A Igreja na América latina é uma Igreja viva, alegre, jovem. Procura celebrar o que vive e viver o que celebra. O ponto alto desta celebração dar-se nas celebrações litúrgicas. A celebração litúrgica torna-se o momento privilegiado de louvor, de agradecimento e de súplica da comunidade. A religiosidade popular do povo latino-americano é rica de expressões e símbolos de fé que são celebradas pessoal e comunitariamente através de práticas de piedade como romarias, terços, novenas, danças, festa do padroeiro, bençãos, etc.

 A Igreja dos mártires. Muitos foram os cristãos que com o seu sangue pintaram esta parte do rosto da Igreja na América Latina. A perseguição, calúnia e difamação, e muitas vezes o assassinato dos profetas de Jesus Cristo nas terras ameríndias dão testemunho da radicalidade da vivência evangélica dos cristãos latino-americanos. Margarida Alves, Tito, Romero, Josimo, e tantos outros, derramaram o seu sangue anunciando o Evangelho de Jesus Cristo aos seus irmãos. A Igreja na América latina continua a ser perseguida na pessoa dos seus teólogos, no assassinato dos seus agentes de pastoral e pastores na defesa dos direitos humanos, na defesa da vida.

 A Igreja dos ministérios. Na América latina, a Igreja se configurou com uma comunidade ministerial: o ministério é vivenciado como um serviço aos irmãos. O ministério na comunidade não visa a promoção pessoal ou de um grupo, nem monopólio e centralização do poder nas mãos de uma casta. É resposta concreta aos desafios e urgências pastorais às quais a comunidade deve intervir. De acordo com as necessidades da comunidade, o Espírito foi suscitando os diversos ministérios pastorais: ministro da Palavra, ministro da Eucaristia, ministro dos enfermos, etc.

 A Igreja da nova evangelização. Diante dos desafios do secularismo, da “cultura da morte”, da propagação das seitas, superficialidade religiosa, a IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano convocou a Igreja a promover no continente uma nova evangelização. Assim sendo a Igreja foi chamada a revitalizar a sua dimensão evangelizadora para tornar mais incisivo na vida dos homens e mulheres latino-americanos o anúncio e adesão à proposta do projeto de Deus, realizado no Evangelho de Jesus Cristo. Todos os membros da comunidade são responsáveis pela evangelização.

AS OPÇÕES PREFERENCIAIS DA IGREJA NA AMÉRICA LATINA

 A opção preferencial pelos pobres.

“A Conferência de Puebla volta a assumir, com renovada esperança na força vivificadora do Espírito, a posição da II Conferência Geral que fez uma clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres. (...) Afirmamos a necessidade de conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, no intuito de sua integral libertação” (DP 1134).

“A imensa maioria de nossos irmãos continua vivendo em situação de pobreza e até de miséria, que se veio agravando. Queremos tomar consciência do que a Igreja latino-americana fez e deixou de fazer pelos pobres depois de Medellin, como ponto de partida para a busca de pistas opcionais eficazes em nossa ação evangelizadora, no presente e no futuro da América Latina” (DP 1135).

Na Igreja da América Latina, nem todos nos temos comprometido bastante com os pobres; nem sempre nos preocupamos com eles e somos com eles solidários. O serviço do pobre exige, de fato, uma conversão e purificação constante, em todos os cristãos, para conseguir-se uma identificação cada dia mais plena com Cristo pobre e com os pobres” (DP 1140).

“Ao aproximar-nos do pobre para acompanhá-lo e servi-lo, fazemos o que Cristo nos ensinou, quando se fez irmão nosso, pobre como nós. Por isso o serviço dos pobres é medida privilegiada, embora não exclusiva, de nosso seguimento de Cristo. O melhor serviço ao irmão é a evangelização que o dispõe a realizar-se como filho de Deus, o liberta das injustiças e o promove integralmente” (DP 1145).

 A opção pelos jovens

“A Igreja confia nos jovens. Eles são a sua esperança. A Igreja vê na juventude da América Latina um verdadeiro potencial para o presente e para o futuro de sua evangelização. (...) Por isso, queremos oferecer uma linha pastoral global: desenvolver, de acordo com a pastoral diferenciada e orgânica, uma pastoral de juventude que leve em conta a realidade social dos jovens de nosso continente; atenda ao aprofundamento e crescimento da fé para a comunhão com Deus e os homens; oriente a opção vocacional dos jovens; lhes ofereça elementos para se converterem em fatores de transformação e lhes proporcione canais eficazes para a participação ativa na Igreja e na transformação da sociedade” (DP 1186-1187).

“Convocamos mais uma vez os jovens para que sejam força renovadora da Igreja e esperança do mundo” (DSD 293).

AS OPÇÕES PASTORAIS DA IGREJA NA AMÉRICA LATINA (23)

No Documento de Santo Domingo, os Bispos apresentam uma síntese das três linhas pastorais prioritárias na ação evangelizadora da Igreja na América Latina:

1) Uma nova evangelização de nossos povos:

“Para que Cristo esteja no interior da vida dos nossos povos , convocamos todos os fiéis a uma nova evangelização e convocamos especialmente os leigos, e entre eles os jovens. Nesta hora confiamos em que muitos jovens, ajudados por uma pastoral vocacional eficaz, possam responder ao chamado do Senhor para o sacerdócio e a vida consagrada.

- Uma catequese renovada e uma liturgia viva, numa Igreja em estado de missão, serão os meios para aproximar e santificar mais todos os cristãos e, em particular, os que estão afastados e são indiferentes.

- A nova evangelização intensificará uma pastoral missionária em todas as Igrejas e far-nos-á sentir responsáveis por transpor as nossas fronteiras a fim de levar a outros povos a fé que há 500 anos chegou até nós.

2) Uma promoção integral dos povos latino-americanos:

Como expressão da nova evangelização, comprometemo-nos também a trabalhar por uma promoção integral do povo latino-americano e caribenho, tendo a preocupação de que os seus principais destinatários sejam os mais pobres.

- Nesta promoção humana ocupa um lugar privilegiado e fundamental a família, onde tem origem a vida. Hoje, é necessário e urgente promover e defender a vida, devido aos múltiplos ataques que a ameaçam setores da sociedade contemporânea.

3) Uma evangelização inculturada:

Devemos encorajar uma evangelização que penetre as raízes mais profundas da cultura comum dos povos, tendo uma especial preocupação pela crescente cultura urbana.

- Ocupar-nos de uma autêntica encarnação do Evangelho nas culturas indígenas e afro-americanas do nosso continente mereceu-nos particular atenção.

- Para toda esta inculturação é muito importante desenvolver uma eficaz ação educativa e utilizar os meios modernos da comunicação” (Mensagem da IV Conferência aos Povos da América Latina e Caribe, n. 30-32, in DSD).

UMA EXPERIÊNCIA LATINO-AMERICANA DE SER IGREJA

O Concílio Vaticano II provocou nos cristãos brasileiros uma nova autoconsciência da Igreja. Alguns acontecimentos marcaram este caminho de renovação:

 “precedida por Movimentos renovadores, como Ação Católica, Movimentos Sociais, CNBB (1952), CRB (1954), Plano de Emergência;

 concretizada pelo PPC (Plano de Pastoral de Conjunto, 1966-70);

 estimulada pelo intercâmbio com as Igrejas da América Latina (Rio de Janeiro, 1955; Medellín, 1968; Puebla, 1979, Santo Domingo, 1992) e os Sínodos dos Bispos;

 prolongada nas Diretrizes Gerais da Ação Pastoral, no compromisso com a defesa dos direitos humanos, nas novas pastorais específicas, no apoio aos Movimentos populares;

 retomada nas Diretrizes Pastorais de 1979-82, na atuação da Igreja na década de ’80 e no processo constituinte, enquanto novas mudanças sociais e culturais abrem a década de ’90 e levam a uma nova proposta evangelizadora (DGAP 1991-1994), que enfrenta a questão da modernidade” (24).

“A caminhada da Igreja Católica no Brasil, nas últimas décadas, segue muito de perto as pegadas da renovação conciliar. Na verdade, as novas perspectivas pastorais abertas pelo Concílio encontraram entre nós uma Igreja que já vivia um surto renovador claramente perceptível. Herdeira de uma rica tradição de mais de quatro séculos de evangelização, cristalizada antes de tudo na fé simples do povo, a Igreja no Brasil foi fortemente enriquecida por Movimentos renovadores nas décadas que precederam o Concílio. Eles não só facilitaram a recepção do Concílio como possibilitaram as contribuições de Bispos brasileiros para a reflexão conciliar. Entre eles é preciso ressaltar os Movimentos Litúrgicos e Bíblico, a Ação Católica e os Movimentos Familiares, a abertura para as questões sociais e as iniciativas de renovação da Vida Religiosa e do Ministério Presbiterial” (25).

Sintetizando apresentamos alguns acontecimentos que marcaram e delinearam o rosto da Igreja que está no Brasil:

 no campo eclesial:

• Os Movimentos renovadores (litúrgico, bíblico, familiar, etc);

• Ação Católica – método VER-JULGAR-AGIR;

• Abertura e comprometimento com as questões sociais;

• Iniciativas de renovação da Vida Religiosa (surgimento de novas congregações) e do Ministério Presbiteral;

• A experiência das CEBs (I Encontro Intereclesial – Vitória, 1975);

• A contribuição da Teologia da Libertação;

• A atuação da CNBB (Plano Pastoral de Conjunto, “Exigências cristãs da ordem política” – 1977) e CRB;

• A abertura para com as outras Igrejas particulares na América Latina;

• A recepção das orientações pastorais das Conferências Gerais Episcopais e da doutrina dos documentos magisteriais da Igreja (Evangelii Nuntiandi – 1975; Sínodo dos Bispos – 1971, sobre “A justiça no Mundo”);

• Os pronunciamentos de algumas igrejas locais: “Testemunho da Paz” (Sul 1, S. Paulo, 1972), “Eu ouvi os clamores de meu povo” (Nordeste, 1973), “Marginalização de um povo – Grito das Igrejas” (Centro-Oeste, 1973);

• A Pastoral de Conjunto;

• O Conselho Nacional dos Leigos;

• “Catequese Renovada” – 1983;

• A retomada do ardor missionário.

 no campo social:

• A presença da Igreja no mundo rural e operário;

• O Movimento de Educação de Base, os Círculos Operários, a expansão do sindicalismo rural;

• Os Movimentos leigos;

• CIMI (Conselho Indigenista Missionário – 1972);

• Comissão Pastoral da Terra – 1975;

• A participação da Igreja no processo de redemocratização através do apoio às emendas populares à nova Constituição. “Por uma nova ordem constitucional” – 1986, “Exigências éticas da ordem democrática” – 1989;

• Cresce na Igreja a consciência da rápida transformação social, do radicalismo das mudanças culturais e dos desafios para evangelizar a sociedade atual: pluralista (cresce o pluralismo religioso), secularizada, individualista, estruturada não mais em valores cristãos;

• Documentos da CNBB.

HOJE É PRECISO:

“Descobrir nos rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor é algo que desafia todos os cristãos a uma profunda conversão pessoal e eclesial. Na fé encontramos os rostos desfigurados pela fome, consequência da inflação, da dívida externa e das injustiças sociais; os rostos desiludidos pelos políticos que prometem, mas não cumprem; os rostos humilhados por causa de sua própria cultura, que não é respeitada, quando não desprezada; os rostos aterrorizados pela violência diária e indiscriminada; os rostos angustiados dos menores abandonados que caminham pelas ruas e dormem sob nossas pontes; os rostos sofridos das mulheres humilhadas e desprezadas; os rostos cansados dos migrantes que não encontram digna acolhida; os rostos envelhecidos pelo tempo e pelo trabalho dos que não têm o mínimo para sobreviver dignamente” (DSD 178).

Concluindo este nosso estudo desejamos que o mesmo seja um estímulo a nos comprometermos cada vez mais com a causa do Reino, com os nossos irmãos pobres, e sobretudo revitalize no nosso coração o esforço de transformar a nossa fé em atos concretos de libertação em Jesus Cristo.



_____________________



(1) Compêndio do Vaticano II. Constituições, decretos, declarações, Introdução geral, Petropolis 1968, pg. 09.

(2) Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 1995-1998. Documentos da CNBB 54, São Paulo 1995, n. 29.

(3) Outras categorias teológicas são usadas nas diversas formulações da eclesiologia, como por exemplo, a categoria Igreja Corpo de Cristo, Igreja templo do Espírito Santo.

(4) V. CODINA, Para compreender la Eclesiología desde América Latina, Estella (Novana) 1990, pg. 170-171

(5) O uso do conceito eclesiológico de “recepção” é utilizado para podermos compreender o processo através do qual uma determinada Igreja local aplica as orientações doutrinárias, morais, jurídicas no concreto da vida da comunidade eclesial.

(6) Vale lembrar por exemplo que o Concilio Ecumênico de Trento levou mais de 300 anos para ser recepcionada pela Igreja.

(7) O processo de conversão da Igreja ao homem latino-americano foi acompanhado de uma profunda reflexão teológico-eclesiológica, baseada sobre um novo modelo de Igreja, que entendia a Igreja como Povo de Deus, reunido pelo amor libertador de Jesus Cristo.

(8) J. SOBRINO, Los documentos de Puebla. Serena afirmación de Medellín: “Puebla” 4 (1979) 198.

(9) II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Conclusões de Medellin, São Paulo, 1979, pg. 05.

(10) Ivi pg. 05.

(11) Ivi pg. 09.

(12) Opção pelo povo, opção pelos pobres, opção pela libertação integral, opção pela Igreja local, opção pelas Comunidades Eclesiais de Base

(13) Sobre esta temática são importantes os estudos históricos de E. DUSSEL, História da Igreja Latino-americana (1930 a 1985), São Paulo 1989; Ivi, (a cura), La Chiesa in America Latina: 1492-1992: il rovescio della storia, Assisi 1992.

(14) J. SOBRINO, Los documentos de Puebla ..., o. c., 71.

(15) Documento de Puebla n. 1149.

(16) G. GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación. Perspectivas, Salamanca 1972, pg. 38.

(17) L. GALLO, Spiritualità dei movimenti, in A. FAVALE (ed.), Movimenti ecclesiali contemporanei. Dimensioni storiche, teologico-spirituali ed apostoliche, Roma 1980, pg. 450.

(18) J. PAULO II, Discurso inaugural pronunciado no Seminário Palafoxiano de Puebla de los Angeles, México, 28 de janeiro de 1979, in Evangelização no presente e no futuro da América Latina. Conclusões da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Puebla de los Angeles, México, 27-1 a 13-2 de 1979, São Paulo, 1979.

(19) II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Conclusões de Medellin, São Paulo, 1979, pg. 05

(20) Ivi pg. 09.

(21) J. Paulo II, Discurso inaugural, n. 6, in IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 12-28 de outubro de 1992. Nova Evangelização, Promoção Humana, Cultura Cristã, Jesus Cristo Ontem, Hoje e Sempre, São Paulo 1992

(22) O DP 1135, na nota 331, constata que a pobreza não se restringe a mera questão da carência de bens materiais, mas atinge o “plano da dignidade humana”. Os pobres “carecem de uma plena participação social e política. Nesta categoria se encontram principalmente os nossos indígenas, camponeses, operários, marginalizados pela cidade e, especialmente, a mulher desses setores sociais, por sua condição duplamente oprimida e marginalizada”.

(23) “As opções pastorais são o processo de escolha que permite selecionar e descobrir a resposta pastoral aos desafios da evangelização, através da ponderação e análise das realidades positivas e negativas, vistas à luz do Evangelho” (DP 1299).

(24) Diretrizes gerais da ação ... o. c., pg. 27-28.

(25) Ivi n. 30.

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