ENTRE A VIDA E A MORTE: JESUS O FILHO DE DEUS, FILHO DO HOMEM



No momento da oração do Monte das Oliveiras, Jesus começa a perceber que a sua hora está chegando. Não é um momento de recuos, de negações. É o momento de tomar a decisão final, a última da sua existência entre os homens. Ele percebe a dimensão cósmica de seu gesto, de sua entrega, mas percebe também a fragilidade humana que corre em suas veias. A tentação superada no deserto agora retorna de forma impiedosa e definitiva: entregar a vida pela humanidade ou retê-la pra si mesmo. “Pai, se queres, afasta de mim esta taça. Mas não se faça a minha vontade e sim a tua.” O cálice que comporta tanto a alegria como a tristeza, a confiança como a traição, reflete diante da consciência de Jesus como uma opção que envolve também o coração do Pai. “Eu e o Pai somos um”.

Neste momento crucial de sua missão Jesus ora e pede a ajuda dos seus discípulos. Ele sabe que sozinho pode sucumbir, e suplica a força da oração comunitária deles para superar a prova. As gotas de sangue expõem sua fragilidade: um homem Filho de Deus que sente aproximar-se o medo da morte, do inesperado, da dor. Quem pode lhe garantir a entrega de si até a última gota de sangue e de água? Qual é o ser humano que não sente medo diante do inesperado e desconhecido?

A prova parece superar as forças humanas de Jesus, e ressoa no seu coração: “Foi pra esse momento que eu vim”. ”Minha vontade é fazer a vontade de meu Pai”. Entregar a própria vida para resgatar com o seu sangue a humanidade para o Pai se transforma num gesto de amor-entrega no qual tudo é oferecido. Jesus compreende que oferecer-se em sacrifício para salvar a humanidade é o ponto culminante do cumprimento de sua missão divina. Para Ele, naquele momento de abandono e dor, a cruz não será uma imposição, um castigo em conseqüência de um crime que tenha cometido, mas uma opção livre e libertadora para si e para a humanidade. Então, Jesus se concentra no olhar amoroso e salvífico do Pai.

A cena trágica da prisão desnuda diante de Jesus o mistério da traição. Lá na última ceia, Ele percebeu que o grupo não tinha ainda chegado àquela maturidade e compreensão da missão que deveriam levar adiante depois de sua partida. Eles precisam refazer no próprio corpo, depois da partida do Mestre, o caminho do Calvário. O anúncio da paixão e morte foi sempre repudiado, não compreendido pelos discípulos. A doutrina do sacrifício da cruz ressoava como falimento, derrota, fracasso humano e divino. Ele não reage à prisão, os amigos fogem, não querem compartilhar do mesmo destino do Mestre. E Jesus experimenta o abandono e a solidão. Começa a viver na própria carne a justiça dos homens da Lei.

Carregar o lenho da cruz depois de ser chicoteado, exausto e exaurido de suas forças torna-se para Jesus uma tarefa quase impossível. A subida do monte, as quedas, o escárnio recebido, a humilhação, o injusto julgamento, o pecado da humanidade, tudo isso pesa na sua cruz. Necessita de um cirineu para conseguir cumprir seu itinerário. A vida trava um duelo com a morte. Parece que a cada passo dado a vitória da morte é inquestionável. O chicote, as lanças, os pregos, o fel, confirmam a sentença. A chegada ao local do sacrifício não é parecido com o cenário do Templo de Jerusalém, onde o cordeiro era imolado e oferecido em sacrifício a Deus. O céu aberto acolhe a vítima da expiação. O cordeiro é o próprio Jesus. Nenhuma liturgia sacramental, nenhuma oração salmodial. Calam-se as vozes. Fixam-se os olhares na cruz. Dispensam-se os sacerdotes e seus ritos. É nítido o sentimento de decepção e desespero. O que esperar ainda dos braços imobilizados na cruz? Que verdades eternas professar de um coração que esvazia o sangue e faz o corpo agonizar de tantas dores? Poucas palavras Jesus consegue ainda sussurrar na agonia mortal da cruz. Procura pelos seus amados discípulos no meio da multidão. Transpassado de dor consegue ainda individuar sua amada mãe Maria, acompanhada de um dos seus discípulos. Estão ali ao pé da cruz imobilizados pela impotência de nada poder fazer diante da crueldade dos poderes humanos. A promessa da vida eterna parecia terminar em promessa de morte na cruz.

Do altar da cruz não se ouve dos lábios de Jesus nenhum pedido para que seja interrompido o seu sofrimento, nenhuma reclamação pelo abandono de seus discípulos. Um grito desesperado ecoa da boca ofegante de Jesus: “Pai porque me abandonaste?” Naquele grito Ele recolhe a dúvida de não ser capaz de vencer a morte com suas próprias forças. Contava com a força e poder do Pai. Mas o Pai está ausente. O Pai não está ali na cruz com Ele. O Pai não se deixa crucificar com Ele. “Onde estás nesta hora de dor e de abandono?” A morte com o seu frio petrifica lentamente seu corpo. A resposta do céu não vem. Neste silêncio declarado a vitória temporária é da morte. O Filho de Deus é entregue à humanidade como simplesmente Filho do Homem. A lança que perfura o peito lacra a sentença final. O corpo sem vida invalida as esperanças e promessas. Onde estaria o Senhor da Vida? Cravado e morto no lenho da cruz? Ó vida onde está o teu poder? A decepção esvazia as promessas daquele Messias, a multidão desce do Calvário convicta que tudo não passou de um sonho utópico. O Homem das dores desce ao inferno da decomposição dos corpos humanos. Mergulha na maior angustia dos mortais na hora de suas mortes: e depois da morte o que será que existe, se é que é possível existir alguma coisa? Da cruz o corpo é recolhido, preparado e depositado numa tumba. Nas ruas, e nas casas o que se comenta de Jesus de Nazaré? Onde estariam os seus seguidores e discípulos? Perambulando e desorientados ainda são incapazes de compreender a atitude do Mestre diante da condenação, da morte.

O silêncio da noite daquela sexta-feira fala de dor, de sofrimento, de decepção. O corpo retirado da cruz, completamente desfigurado, guarda consigo a lembrança das palavras, dos atos, de um homem que falava com autoridade e dizia ser o Filho de Deus, o messias esperado para libertar o seu povo. A mãe, os parentes preparam e sepultam o corpo de Jesus no túmulo emprestado de José de Arimatéia. A morte trava um duelo cruento com a vida: quem arrebatará o corpo e a alma do Filho de Deus? De quem será a vitória final? Três dias de luta e de espera. Maria na manhã de domingo, o primeiro dia da semana, indo visitar o túmulo do Mestre, o encontra vazio. Onde estaria o corpo do Senhor? Quem o teria levado? Apenas os lençóis e ataduras que envolviam o corpo estavam no túmulo vazio. Madalena desesperada com o desaparecimento dos restos mortais de Jesus, procura obter informações do jardineiro. E para sua surpresa descobre que é com o Mestre que dialoga. Ele está vivo, venceu a morte, venceu a dor! Jesus Cristo ressuscitou. A alegria da ressurreição é a alegria de um grande encontro final e definitivo.

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