A PAIXÃO, MORTE E RESSURREIÇÃO DE CRISTO O EVENTO CENTRAL DA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO E DA IGREJA


«Homens de Israel, escutai o que digo: Jesus de Nazaré foi o homem credenciado por Deus junto a vós com poderes extraordinários, milagres e prodígios. Bem sabeis as coisas que Deus realizou através dele no meio de vós. Ora, de acordo com o plano bem definido e previsto por Deus, foi entregue às mãos dos ímpios e vós o crucificastes e matastes. Mas Deus o ressuscitou, livrando-o da escravidão da morte. De fato, não era possível que a morte o retivesse em seu poder».
(Atos dos Apóstolos 2, 22-24)

Jesus Cristo é o «sacramentum Dei» para a salvação dos homens, não só em conseqüência da sua Encarnação, mas também porque, no mistério da sua morte e ressurreição, vence todos os obstáculos que impediam ao homem de viver a eternidade do amor e da glória de Deus. Assim, mediante o mistério da sua morte e ressurreição chegou o tempo da salvação e da Igreja. Aprofundaremos brevemente aqui a centralidade deste evento-mistério na história da salvação, e na Igreja enquanto «sacramentum salutis».

O FATO BÍBLICO DA RESSURREIÇÃO

A constatação da morte de Jesus de Nazaré na narração do Novo Testamento se opõe radicalmente as expectativas messiânicas do povo judeu, que esperava um Messias potente, guerreiro, rei glorioso, capaz de libertar Israel do dominador romano e de instaurar um novo reino. Um Messias que conclui sua missão pregado na cruz (cf. Gal 3,13), como um criminoso perigoso, abandonado por todos, é completamente inatendível no seu testemunho messiânico (cf. Lc 23, 37; Mc 15,34).

A comunidade primitiva à luz do mistério da morte e ressurreição de Jesus e da leitura e da meditação do Antigo Testamento, faz a sua releitura do evento pascoal, interpretando a vida do Mestre em plena continuidade com o Antigo Testamento, e ao mesmo tempo como sua superação.

No texto do profeta Isaias 52,13-53,12 a comunidade primitiva vê não somente uma predição da morte de Jesus, mas também a sua explicação. Segundo a interpretação deles, Jesus morre como profeta (destino trágico de todos os profetas enviados por Deus ao povo de Israel. Cf. Mt 14,3-12), como justo (a justiça no seu caso não funciona, é condenado à morte injustamente. Cf Lc 9,22), como servo (carregou sobre si os pecados da humanidade).

O fato que ilumina e que fornece a chave interpretativa do evento de Jesus de Nazaré é a sua morte e ressurreição (1) . É na cruz que Jesus é glorificado pelo Pai (cf. Jo 12,28a). A cruz se torna lugar de salvação universal e fonte da verdadeira vida.

O mistério pascoal contém toda a salvação de Cristo: Deus em Cristo se doa à humanidade e toda a humanidade se doa a Deus em Cristo. Cristo é o sacramento de comunhão com Deus para os homens e mulheres na terra.

A ressurreição de Jesus não é criação fantasiosa das mentes dos apóstolos nostálgicos por causa da ausência do Mestre, e nem uma desculpa para justificar o desaparecimento do seu corpo (cf. Mt 28,11-15), mas é decididamente um fato histórico, inédito no mundo e na história. O mistério da morte e ressurreição de Cristo é o acontecimento central da história da salvação, e fundamento da fé. Por isso Paulo afirma categoricamente: «Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé» (1 Cor 15,17). «Sem a ressurreição a fé cristã é destituída de significado e, com ela, também a existência humana» (2).

A IMPORTÂNCIA SALVÍFICA DA MORTE E RESSURREIÇÃO DE CRISTO

«No seu aspecto ontológico, a morte humana pertence à vida. Não é só o último momento da vida. A morte constitui uma estrutura da vida mesma, porque a vida humana é estruturalmente mortal. Desde quando começamos a viver, começamos também a morrer» (3).

Com a sua ressurreição Cristo divinizou a existência humana, instaurando uma nova relação entre Deus e o homem, que implica um modo de ser novo do homem que o evangelista João apresenta como «nascimento do al¬to» (Jo 3,3), e Paulo como «nova criatura» (2 Cor 5,17). Ou seja, significa habitar, está na presença do Pai e do Filho (Jo 14,23), por ação do Espírito (1 Jo 4,13). O ser ressuscitado com e em Cristo significa transformação de vida: o homem de pecador torna-se justo, passando da situação da carne àquela do espírito (cf. Jo 3,5-6), da escravidão à liberdade (cf. Rm 6,12ss.), do homem velho ao homem novo (cf. Ef 4,21). «Este processo interior de destruição e reconstrução, de morte e de ressurreição, Homo viator constitui o processo permanente da vida humana» (4) no qual Cristo é «sacramentum salutis».

Com o evento da ressurreição de Cristo «completou-se o tempo» (Mc 1,15) e a salvação opera no coração da história.

Em Cristo ressuscitado, a morte é vencida e transforma-se em vida: «autêntica vida "divina", vida "pneumática", vida completamente penetrada pelo Espírito imortal e vivificante de Deus (...). A humanidade martirizada, crucificada e sepultada do Cristo se torna deste modo a humanidade ressuscitada e gloriosa do Filho de Deus (...); Jesus realiza como primícia absoluta o retorno do homem não mais no paraíso perdido, mas no seio mesmo da comunhão trinitária» (5).

Concluindo, podemos dizer que crer na ressurreição é acreditar que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus, sacramento de salvação para os homens; é acreditar que a Vida venceu definitivamente a Morte; é acreditar que tudo foi re-criado por e em Cristo, por meio do Espírito Santo; é acreditar que o homem foi readmitido no convívio amoroso da Trindade.

A Igreja, como sacramento e esposa professante do Ressuscitado, é encarregada de levar a mensagem salvífica e libertadora da morte e ressurreição de Cristo a todos os homens e mulheres.
______________
1. O mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo é o horizonte a partir do qual a comunidade primitiva tornará efetiva a sua autocompresão do evento Jesus de Nazaré em categorias teológicas.
2. Cf. C. PORRO, La risurrezione di Cristo oggi. Orientamenti teologici pastorali = Punti scottanti di teologia 81, Paoline, Roma 1973, pg. 9.
3. L. BOFF, Passione di Cristo, passione del mondo. Il fatto, le interpretazioni e il significato ieri e oggi, in: L. BOVO (dir), Teologia attraverso il confronto di realtà diverse sui problemi autentici della condizione umana, Cittadella, Assisi 1978, pg. 20.
4. Ivi pg. 88.
5. A. AMATO, Gesù il Signore. Saggio di Cristologia, in: C. ROCCHETTA (dir) = Corso di Teologia Sistematica 4, Dehoniane, Bologna 1988, pg. 441-442.

Postagens mais visitadas deste blog

O ROSTO DE DEUS PAI REVELADO EM JESUS CRISTO

A PROVAÇÃO DE JESUS, (Lc 4, 1-13)